Dos bares aos teatros

Rafael Sanhudo
5 min readApr 28, 2021

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Drag queen LadyVina trilha o caminho para levar sua arte aos grandes palcos gaúchos

Por Rafael Sanhudo

Gabriel Tochetto montado como LadyVina em 2019 na apresentação do “Baile de Perucas”, no espaço cultural Bertoldo em Porto Alegre. Crédito: Fábio Lutz/Arquivo Pessoal

O jovem caxiense Gabriel Tochetto, de 24 anos, combina suas habilidades de bailarino na adolescência com a arte drag, dando vida à LadyVina. Quando era mais novo, não sentia a música, apenas seguia os passos, mas os professores já viam nele um talento que poderia ser bem aproveitado. Como drag queen, pode explorar lados da dança que seriam limitados antes. Suas performances são conhecidas pelo drama, ao som de músicas alternativas e maquiagem marcante. Os bares são muito pequenos para o artista, ele quer estar nos espaços culturais!

Toda caminhada tem seus percalços. Atualmente, a pandemia é o maior deles, ainda mais significativamente para quem sobrevive da sua arte. Gabriel além de drag queen é estudante de bacharelado em educação física, já formado na licenciatura, e faz trabalhos como freelancer para complementar a renda. Além disso, faz crochê, inclusive durante a entrevista por vídeo-chamada crochetava um tapete em meio ao papo. A arte drag em geral tem sido sua principal fonte de renda, o que antes considerava um extra. “Olhando para trás e comparando com agora, considero sim que a drag é minha profissão”, afirma.

Até o momento, 2021 tem sido o ano mais bem sucedido financeiramente da drag de Gabriel, o que é uma surpresa segundo o mesmo, já que o fechamento dos bares e clubes afetou muito quem depende disso para sobreviver. Porém, alguns eventos online possibilitaram um alívio. “Drag tem muito isso de estar no palco presencial, e a falta disso tem me afetado muito durante o isolamento social. Eu acabei me afundando em pensamentos ruins, por não estar conseguindo encontrar meu lugar no meio do ambiente virtual”, lamenta. Ter seu espaço limitado a um apartamento de poucos metros quadrados afetou o seu psicológico, o que vem tentando superar.

Gabriel x LadyVina

“Todo o poder que a Lady tem eu posso acessar com o Gabriel”. No início, achava que ele e a LadyVina deveriam ser exatamente a mesma pessoa. Agora, Gabriel tenta ultrapassar esse limite que criou consigo mesmo. “Sei que são relações diferentes pessoalmente e com quem interajo. Ao mesmo tempo que posso criar personagens, histórias, tramas e cenas com a drag, eu posso fazer isso sendo o Gabriel”, compara o artista.

É claro, a peruca e a maquiagem abrem as portas para que sejam diferentes, assim a drag é naturalmente mais extrovertida, se sente mais à vontade para falar o que vem na cabeça. LadyVina é cômica, dramática, dançarina. Gabriel é filho, aluno, professor. “Não são pessoas diferentes naturalmente. Eu escolho quando são diferentes”, ressalta.

Os primeiros passos — de salto

O primeiro contato do jovem com drag foi aos 18 anos, numa balada em sua cidade natal, Caxias do Sul. “Na muvuca de gente na pista com uma peruca enorme e de salto gigante, ela (uma drag queen) aparece. Essa imagem está sempre bem guardada na minha mente”, relembra. Na época, nem sabia direito o que era, tendo até uma sensação de medo. Para ele, eram figuras. Um tempo depois que realmente soube o que era drag queen, inclusive assistindo RuPaul’s Drag Race — reality show competitivo de drag queens.

Em uma noite de 2014, Gabriel e seus amigos em Caxias do Sul resolvem fazer competições no estilo RuPaul’s Drag Race. Com roupas emprestadas de sua mãe e maquiagem feita por uma amiga, pela primeira vez se montou e dublou a música Animal, da cantora Kesha. Infelizmente, foi um dos piores, sendo eliminado. Mas aquele não era o fim, nem mesmo o começo de LadyVina — na época sem nome.

LadyVina nasceu em 2015, mas engana-se quem pensa que “Lady” vem de Lady Gaga. A inspiração para o nome veio através de uma homenagem à sua falecida cachorrinha Lady, misturando com um trocadilho à marca de talco Vini Lady. Assim, assimilando as ideias, criou seu nome de drag.

Inspirações e referências

Uma drag queen normalmente possui referências e inspirações, assim como a LadyVina. Na cena drag de Porto Alegre há ícones como Cassandra Calabouço e Charlene Voluntaire, que há mais de 20 anos se destacam por sua arte. Lady, que nasceu há 7 anos, se inspira muito na forma que elas se comunicam entre si e com o público. “É algo que tenho dificuldade, então sempre observo muito elas para aprender e trazer para a minha drag”, relata. Visualmente, sempre se inspirou muito na drag Alma Negrot, que tem uma estética de maquiagem mais abstrata, com cores e colagens: “Eu me relacionei muito no início, até hoje, porém agora consigo ter minha própria estética adaptada”.

Com relação às músicas e estilo performático, tem como referência as cantoras Björk e Ionnalee, conhecidas por seus estilos alternativos e dramáticos. O grupo brasileiro Corpo, de dança contemporânea, completa a sua gama de inspirações.

Em 2019 LadyVina participou como aluna da 6ª edição do workshop “Pimp My Drag”, ministrado por Cassandra Calabouço e equipe do Macarenando Dance Concept, aberto para quem deseja desenvolver suas habilidades como drag ou aprender do zero. Ao final das edições acontece a formatura, chamada de “Baile de Perucas”, onde cada participante faz uma apresentação artística de acordo com os aprendizados do curso. O baile é realizado no mesmo local dos ensaios, no espaço cultural Bertoldo em Porto Alegre, em frente a um pequeno público num palco improvisado.

Em fevereiro de 2020, as drags formandas da 6ª edição fizeram apresentações no Centro Histórico Cultural Santa Casa, em Porto Alegre, com a criação do “Baile de Perucas — O Show”, também por Cassandra Calabouço e equipe do Macarenando Dance Concept. “Tivemos a oportunidade de nos apresentar em um palco de teatro montadas em drag, para um público diferente, não só restrito à nossa comunidade”, relata LadyVina.

“Quero muito estar em palcos, não só por querer que a pandemia acabe, mas para ocupar lugares diferentes, não só bares e casas de festa, mas também teatros”, almeja entusiasmado sobre o futuro. “É, também, muito nostálgico para mim. Todo fim de ano eu me apresentava nos palcos como dançarino. Com a drag, parei de dançar profissionalmente, o que foi um baque”. Assim como para LadyVina, o artista espera isso não só individualmente, mas para outras drag queens: “Que esses espaços estejam mais abertos para todas nós, para que mais pessoas nos enxerguem, não só nós mesmas”.

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Rafael Sanhudo

Estudante de Jornalismo. Projeto de poeta. Curioso por esse mundo.